terça-feira, 27 de outubro de 2009

Trilhos antigos do Velho Mundo

E para viver a vida intensamente deves compreender que nasceu em um trem que permanecerá rodando por décadas sem parar. E você precisa ter todo o necessário em uma mala.

Guarde nessa mala sua história, ideias e emoções. Deixe a linha do tempo devidamente empilhada entre roupas e retratos. Ali, de dentro do trem, os fatos passam por você em alta velocidade e você precisa ser forte e segurar-se diante da rapide dos acontecimentos. Os trilhos são traiçoeiros e a paisagem enganadora.

Talvez lá fora esteja nevando, mas é certo de que cruzarás inúmeras fronteiras e verás muitas bandeiras hasteadas. O nacionalismo fará entoar novos hinos a cada dia, e não terás uma terra fixa e uma nação para chamar de tua. A mala será sua identidade, o local onde poderás guardar tudo o que te aflige - o que te inquieta, e também, todas as emoções que te fazem sentir bem. Lembre-se: o céu estará azul amanhã, e não duvides disso. A vida é imprevisível às vezes, e por isso mesmo deverás aproveitar ao máximo a viagem.

E quando os trilhos de diversos lugares se encontrarem, não assuste - são apenas encontros pré-marcados por apressados e burocratas das horas. Observe as colunas das estações, grave bem as expressões que cada um faz quando adentra seu determinado vagão, ou então a testa franzida daqueles homens, revelando a preocupação dos iludidos enquanto esperam inquietos o próximo trem chegar. Cada um desses tem histórias tão distintas agora, por isso, não se apegue demais a eles, são passageiros - possuem seus destinos marcados. Definitivamente eles apenas passam...


Quando sentir-se só, abra a mala e retire algo que lhe faça recordar de algo bom. Quando precisar representar, também recomendo que utilize tudo o que acumulou em sua Scheherazade - não se engane, muitas vezes é necessário enganar um rei para livrar-se da morte. Histórias sem fim, de embarques e desembarques, de trilhos, de montanhas cobertas por neve e desfiladeiros tropicais.

Esteja certo de que no Velho Mundo é possível caminhar por entre as sensações e conhecer fortalezas medievais. Não se esqueça que é possível modificar a esperança, construir nossas próprias existências e arriscar a intensidade. Mas antes de partir nesta busca por si mesmo, volte-se para o seu lar, e prepare-se para o que se seguirá. Parta apenas quando estiver seguro e acreditar em teu roteiro.

Seja tua mochila a Scheherazade a acalentá-lo em noites amarguradas, seja tua mala a memória que te resguarda do esquecimento, sejam os trilhos e estações metáforas perfeitas para explicar o que é inexplicável e glorioso, o sentido da existência. Seja quem quiserdes em cada nação visitada, mude, ouse...
Daqui eu enxergo vitrais longínquos, através dos quais a luz do meio-dia ilumina o interior de uma grande edificação que aponta para os céus. Ouço uma música... um piano, e ao fundo, um coro de vozes melódicas... talvez seja a redenção.

domingo, 18 de outubro de 2009

É bom estar SÓ?

Quero saber se você vem comigo
a não andar e não falar,
quero saber se ao fim alcançaremos
a incomunicação; por fim
ir com alguém a ver o ar puro,
a luz listrada do mar de cada dia
ou um objeto terrestre
e não ter nada que trocar
por fim, não introduzir mercadorias
como o faziam os colonizadores
trocando baralhinhos por silêncio.
Pago eu aqui por teu silêncio.
De acordo, eu te dou o meu
com uma condição: não nos compreender

(Pablo Neruda)

"Ficar só e compreender a si próprio" - este tem sido meu lema nos últimos dias. Em dias de tanto barulho, trabalho incessante e correria, parece que somos sugados pela vida a ponto de vivermos algo absolutamente programado. Existem ainda aquelas convenções de "felicidade" que eu realmente não gosto...

Poderia falar sobre a felicidade instantânea (aquela ilusória, que é seguida de um imenso vazio existêncial)... mas eu quero me prender neste post à necessidade que eu tenho de ficar, ao menos um pouco, sozinho. Para alguns pode parecer estranho, mas para mim não há nada mais divertido do que ir ao cinema sozinho, ir religiosamente à banca analisar as revistas e andar pelas ruas olhando a paisagem.

Em casa, baixo um daqueles CDs antológicos que tenho a obrigação de conhecer e me deparo cada vez mais com a certeza de que ouvir um álbum inteiro é muito diferente do Top Top das paradas (vide White Album dos Beatles ou até mesmo o contemporâneo 21st Century Breakdown do Green Day). Algo pra comer, livros, revistas, DVDs e trilha sonora ajustada - tudo isso pode significar dias de intenso prazer.

Eu não tenho problemas nenhum em ficar sozinho, e percebo que as pessoas temem o silêncio, temem a ausência de barulho. No final de semana eu procurei ficar sozinho... e consegui momentos muito interessantes na minha "própria companhia", se é que me entendem. Eu vi Up (finalmente), depois tomei sorvete, caminhei pelo centro e percebi o quanto a vida é boa a partir de pequenas coisas.


Eu sempre soube que não precisarei de muito para ser feliz, e percebo que uma certa linearidade é algo que eu estou sempre buscando. No sábado, ao sair do shopping eu me deparei com duas primas mais velhas aterrorizadas pelo simples de fato de ter alguém com 20 anos sozinho em pleno sábado a noite (EU!). Talvez é ai que esteja a graça: andar sozinho, não por falta de companhia, mas por mero desejo.

Cultivar a solidão não significa querer estar só o tempo todo, mas sim perceber que estar sozinho é necessário para compreender muitas coisas (compreender a si próprio), e mais do que isso, perceber que há vida além da correria e do constante barulho ao qual estamos acostumados. E assim, as vezes é importante inflar nossas casas - nossas vidas - e sair por ai voando, cada um em busca da sua própria América do Sul.



Eu descobri neste sábado algo que daria um post - é a revista Billboard brasileira (algo tão intenso quanto a primeira vez que eu vi a R.S brasileira). E eu sei que este assunto já foi tema de vários posts e matérias, inclusive na Ilustrada - mas não poderia deixar de comentar aqui.



domingo, 11 de outubro de 2009

Change your mind!


E então eu percebi que precisava mudar algumas coisas...



If you wanna be somebody else,

If you're tired of fighting battles with yourself
If you wanna be somebody else
Change your mind, change your mind


Hey, hey-
Have you ever danced in the rain or thanked the sun
Just for shining, just for shining or the sea?
Oh no, You take it all in the world's a show
And yeah, you look much better,
Look much better when you glow!

Yeah yeah
I hope you've heard every word I've said
Yeah yeah
you've had enough of all your tryin'
Just give up the state of mind you're in!

(Sister Hazel)



"Porque, onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração."

domingo, 4 de outubro de 2009

Rio 2016: Quando o "Yes we can" ficou pra trás


"Pelé cried, and his compatriots celebrated the latest evidence that for one of the world's most glamorous, charismatic countries the good times are starting to roll. So often described as belonging to a "country of the future", Brazilians found themselves living in the present this weekend." The Observer, 4 de Outubro de 2009.

Na verdade eu esperava mais evidências para poder falar sobre a mais recente vitória brasileira, as Olimpíadas de 2016. É que desde o início do ano eu já ouvi de tudo - que o projeto do Brasil era inconsistente, que o orçamento foge completamente da realidade dentre outras muitas justificativas. Ainda no 1° semestre a revista Carta Capital publicou uma matéria sobre a falta de fiscalização das verbas direcionadas à Copa do Mundo, e também sobre a inutilidade das instalações construídas para o Pan. Mas após ler o artigo do The Observer hoje, considerei ser oportuno falar sobre o tema.

Sim, eu concordo que existam muitos problemas relacionados à realização de eventos tão grandiosos, e posso até mesmo arriscar dizer que em um país no qual não existe apoio para os atletas, falar de Olimpíadas pareça piada. Mas se analisarmos os Jogos a partir de uma vertente econômica e mais internacionalista, talvez cheguemos à conclusão de que é totalmente relevante.

Brazil, as President Lula has frequently commented of late, is living through a "special moment". Rising exports, a commodities price boom and the government's investment in social policies have helped millions of impoverished Brazilians rise from poverty since the leftwing leader came to power in 2003. The IMF says that Brazil, and other countries in the region, have weathered the global financial crisis "rather well".

O Brasil tem importância no cenário político internacional (vide G-20, Doha, Honduras e Haiti) e se firmou como um país de crescimento estável, adquirindo cada vez mais peso em decisões importantes tanto na política quanto na economia. Um relatório do FMI divulgado na última semana afirmou que o Brasil é o país que vai registrar o maior crescimento econômico na América Latina, o que pode comprovar a "prosperidade brasileira". O país de proporções continentais é grande exportador e firma parcerias econômicas importantes. As Olimpíadas de 2016 não seria um reflexo das melhorias no país?

Sim, na China foi assim - enquanto milhares de olhinhos puxados batiam os tambores de maneira sincronizada na cerimônia de abertura, um recado ecoava ao mundo dizendo: "Nos tornamos potência". Assim foi em Moscou, em Madri e em outros lugares que receberam os Jogos. É ingenuidade pensar que tal escolha do COI não tem muito a dizer. Aliás, Obama estava lá, e nem mesmo o discurso do "Yes, we can" surtiu algum efeito (em outros tempos, o peso da visita seria imenso).

Quando o COI anunciou que Chicago estava fora da disputa, o apresentador da CNN promovou uma das cenas mais bizarras que eu vi nos últimos tempos. Ele indagava desacreditado: "Chicago is out? Chicago is out?!". E realmente, a princípio pareceu impossível que a escolha da cidade fosse daquela maneira. Se me perguntarem se eu esperava que o Rio ganhasse... eu teria que responder em alto e bom som: NÃO!



O Rio de Janeiro é apaixonante e uma Olimpíada lá será algo inesquecível. Pela primeira vez, o fogo do Olimpo chegará por aqui, na América do Sul e promete ser um evento muito bonito culturalmente falando. Espero que os gastos sejam devidamente acompanhados, e que o nosso país possa mostrar ao mundo que consegue organizar um evento mundial.

Que os noticiários de esporte não sejam ufanistas e passem a cobrar do governo o desenvolvimento de políticas públicas para o esporte. Que possamos olhar para os que começam a praticar qualquer esporte com o mesmo olhar que dispensamos para os grandes. Há muito a ser feito, mas o mundo todo já reconheceu que o Brasil de hoje é diferente, e que muito já foi feito.

Depois da Copa, o Brasil terá a oportunidade de mostrar que o país do futebol é o país dos Jogos Olímpicos. Eu estarei lá para conferir! Como disse o The Observer: "Com Rio 2016, país do futuro vive o presente".